SUDÃO: Guerra começou há um ano, provocou a maior crise de deslocados do mundo e deixou o país sem seminaristas

Começou há um ano. A data assinala-se precisamente hoje, dia 15 de Abril. O conflito entre dois exércitos, entre dois generais, já provocou mais de 12 mil mortos, milhões de deslocados e deixou este país africano com uma comunidade cristã ainda mais enfraquecida e já sem seminaristas. O Papa Francisco tem apelado ao fim desta guerra brutal que o mundo parece esquecer que existe.

Os números são incertos. É uma estatística difícil de obter, mas calcula-se que no Sudão já tenham morrido entre 12 mil a 15 mil pessoas em resultado da guerra que rebentou faz hoje um ano.

O conflito armado entre o exército regular, ou seja, as Forças Armadas do Sudão (SAF), liderado por Abdelfattah Al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF), lideradas por Mohammed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemeti, tem-se revelado catastrófico ao nível humanitário. Calcula-se que mais de 10 milhões de pessoas fugiram já de suas casas, no que é já considerada como a maior crise de deslocados em todo o mundo. 

Este conflito que é conhecido como “a guerra dos generais”, parece estar longe do fim. Uma situação que faz levantar muitas perguntas. “Dada a intensidade desta guerra, muitas pessoas locais perguntam-se como é que os dois lados têm tantas armas disponíveis após um ano de combates e, portanto, quem as financia”, diz Kinga Schierstaedt, coordenadora de projectos da Fundação AIS no Sudão.

“PAREM A GUERRA”, PEDE O PAPA

A situação é gravíssima do ponto de vista humanitário. O Papa Francisco tem erguido a sua voz apelando ao fim dos combates, pedindo que se procurem caminhos de paz de forma a se evitar mais derramamento de sangue, mais sofrimento. De facto, a população está a morrer também de fome, enquanto o conflito parece ter sido esquecido por grande parte da comunidade internacional.

Ainda no dia 18 de Fevereiro, logo após a oração do Angelus, o Papa falou do Sudão.

Já passaram dez meses desde a eclosão do conflito armado no Sudão, que causou uma situação humanitária muito grave. Peço novamente às partes em conflito que parem com esta guerra, que provoca tanto mal às pessoas e ao futuro do país. Rezemos para que em breve sejam encontrados caminhos de paz para construir o futuro do querido Sudão.”

Entretanto, desde que Francisco lançou este apelo já passaram mais dois meses e a população continua a sofrer. A própria comunidade cristã, já de si muito pequena, está também a ser vítima desta guerra.

MISSIONÁRIO RELATA EXPLOSÕES

Em Setembro do ano passado, a Fundação AIS publicava uma mensagem enviada por um missionário que, por questões de segurança não foi identificado, a dar conta de explosões perto da casa onde se encontrava. “Hoje, houve explosões a cerca de 150 metros da nossa casa, quando as RSF tentaram bombardear duas ou três casas onde o exército estava a actuar! Uma senhora ficou com o corpo todo ferido com objectos cortantes provocados pela explosão.”

Apesar da violência descrita, o missionário garantia que a comunidade continuava unida e a rezar em conjunto. “Tivemos a Eucaristia dominical na capela das Irmãs. Cerca de trinta fiéis participaram na mesma.” A mensagem terminava com um apelo às orações de todos para que a guerra possa chegar ao fim neste país de África. “Por favor, continuem a rezar pela paz no Sudão!”

SEMINÁRIO DE CARTUM FECHADO

Uma das consequências da guerra está a ser a diminuição da Igreja local. Kinga Schierstadt explica. “Antes da guerra, representava 5% da população, mas era tolerada e podia gerir alguns hospitais e escolas, embora não lhe fosse permitido proclamar abertamente a fé.”

A queda de Omar al-Bashir [em Abril de 2019, após trinta anos no poder] trouxe algumas melhorias em termos de liberdade religiosa e as punições de acordo com o código penal da Sharia foram abolidas. Foi nesta altura que a Fundação AIS conseguiu ajudar a fazer chegar uma máquina para a produção de hóstias para a diocese de El Obeid, o que teria sido impossível nos anos anteriores, diz ainda a responsável de projectos da fundação pontifícia.

Mas esta nova liberdade foi de curta duração. Embora minoritária, a Igreja sempre foi um “porto seguro” para a população e muitas pessoas fugiram para as igrejas no início da guerra. Actualmente, este refúgio tornou-se frágil. Muitos missionários e comunidades religiosas tiveram de abandonar o país e as paróquias, hospitais e escolas cessaram as suas actividades. O seminário preparatório de Cartum, onde os estudantes passam um ano para se prepararem para a formação sacerdotal, teve de fechar as portas.

REFUGIADOS NO SUDÃO

Felizmente, alguns seminaristas que conseguiram fugir puderam prosseguir a sua formação na diocese de Malakal, no país vizinho, o Sudão do Sul. O Arcebispo Michael Didi, de Cartum, por exemplo, estava na cidade de Porto Sudão, na costa do Mar Vermelho, quando a guerra rebentou e não pôde regressar à sua cidade, e o Bispo Tombe Trile, da Diocese de El Obeid, teve de se mudar para a catedral, porque a sua casa foi parcialmente destruída. Muitos cristãos fugiram a pé ou através do Nilo e instalaram-se em campos de refugiados em países da região, onde a sobrevivência é uma batalha diária.

Um desses campos de refugiados está no Sudão do Sul, em Deim Zubeir. Nesta localidade, que chegou a funcionar há séculos como um entreposto de escravos, improvisou-se um campo para acolher as famílias que fogem da guerra do outro lado da fronteira. Em Julho do ano passado, a irmã Beta Almendra, uma religiosa portuguesa comboniana em missão na diocese de Wau, situada a cerca de 300 quilómetros de distância, deslocou-se até lá e partilhou com a Fundação AIS o que viu.

“É realmente uma aventura fazer esta estrada, cheia de buracos, agora que estamos na estação da chuva. Na estação seca dizem que se consegue fazer em seis horas, mas agora com as chuvas tem de se ir mais devagar e com mais cuidados, senão ficamos enterrados na lama”, relatou a religiosa portuguesa numa mensagem enviada para Lisboa, para a Fundação AIS.

“A REALIDADE É DRAMÁTICA”

No campo de Deim Zubeir a irmã escutou os lamentos de quem teve de fugir para salvar a própria vida. “Tiveram que fugir mesmo”, explicou. A maioria dos refugiados vivia no outro lado da fronteira. “Os rebeldes instalaram-se lá e expulsaram esta gente, mais de 4 mil pessoas que vieram até Deim Zubeir a pé, através da floresta.” A situação em que estavam deixou a religiosa impressionada. “A realidade é realmente dramática, dramática”, disse a religiosa portuguesa, na mensagem enviada para a AIS.

No entanto, este campo é um sinal de que a Igreja continua muito activa no Sudão do Sul, ajudando os refugiados da guerra e também os seminaristas sudaneses, permitindo a continuação da sua formação, graças ao apoio da Fundação AIS, entre outras instituições.

“Ao regressar do Sudão do Sul, um país vizinho do Sudão e que partilha a mesma conferência episcopal, fiquei espantada ao ver até que ponto alguns padres, eles próprios refugiados, estão a usar a sua energia para dar catequese na sua nova paróquia e para apoiar outros refugiados. A Igreja no Sul do Sudão está a preparar-se para o futuro, ajudando os cristãos sudaneses a prepararem-se para a paz de amanhã”, conclui Kinga Schierstadt.

As notícias que chegam do Sudão, agora que se assinala um ano de guerra, não são boas. Mas há ainda sinais de esperança. “Embora seja verdade que a guerra continua, ela não pode extinguir a vida. Dezasseis novos cristãos foram baptizados em Porto Sudão durante a Vigília Pascal e 34 adultos foram confirmados em Kosti”, assegura um dos parceiros de projectos da Fundação AIS neste país de África.

Paulo Aido com Amélie Berthelin

Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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Em Setembro de 2020, o Sudão, após 30 anos de regime islâmico, tornou-se um Estado constitucionalmente laico. O Pe. Peter Suleiman afirmou que o povo Sudanês pode agora “adorar e praticar as suas várias crenças religiosas sem medo”. Um ano mais tarde, o regime autoritário, e o medo, estavam de volta. Em 2022, as manifestações contra o regime militar intensificaram-se na grande Cartum, organizadas pelos comités de resistência.

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